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Foto do escritorClarice Dellape

O que é Arquitetura Hostil: artefatos violentos na cidade

Atualizado: 3 de fev. de 2022

“Arquitetura Hostil” (“Hostile Architecture”) é um termo cunhado pelo jornalista Ben Quinn (2014), para denominar objetos e práticas que impedem a permanência de pessoas no espaço urbano, tais como espetos em superfícies que poderiam ser sentadas, divisórias em bancos que impedem as pessoas de deitar ou pedras dispostas sob marquises para que não sejam ocupadas. Podem também ser caracterizados bancos desconfortáveis, ruas sem calçadas ou espaços públicos sem lugares à sombra. Chamadas algumas vezes de “Anti-homeless measures” (Medidas anti moradores de rua) e “Defensive Architecture“ (Arquitetura Defensiva). Esses objetos são dispostos nos ambientes urbanos a fim de garantir mais segurança e evitar “comportamentos antissociais” (LICTH, 2019), porém acabam limitando o comportamento dos transeuntes, tornando o espaço pouco acolhedor e escondendo a pobreza, produzindo uma visão distorcida de uma cidade sem pobreza ou desconforto social. (CHELLEW, 2019).


Ironicamente, isso não atinge seu objetivo básico de nos fazer sentir mais seguros. Não há modo de bloquear outras pessoas que também não nos prendem. Quanto mais estreito o basculante, maiores os perigos externos aparecem. Tornar nosso ambiente urbano hostil gera dureza e isolamento. Isso torna a vida um pouco mais feia para todos nós. (ANDREOU, 2015, tradução nossa)


Esse debate surgiu no jornalismo de Londres, capital britânica, que está muito atrelado aos países de economia central e anglófonos, como Inglaterra e Canadá. Porém vem ganhando nos últimos anos reconhecimento no cenário nacional e acadêmico devido ao fato desse fenômeno ser muito comum nos centros urbanos brasileiros, por sermos uma sociedade tão desigual e com uma população de rua tão numerosa. Um dos grandes expoentes desse debate é o Padre Júlio Lancelotti. Em 2021, o Padre Júlio fez uma ação em um viaduto na região do Tatuapé (REIS, 2021), São Paulo, onde a prefeitura da cidade havia instalado pedras para evitar que moradores de rua se abrigassem . O padre quebrou as pedras com uma marreta, em ato simbólico contra a Arquitetura Hostil e a política higienista da prefeitura que prefere limitar o espaço urbano a resolver de forma eficiente os problemas de moradia da cidade. Devido a repercussão negativa, a prefeitura retirou as pedras do viaduto. Padre Júlio tem uma atuação forte com os Irmãos de Rua, acolhendo e alimentando pessoas em situação de rua e sua atuação tem ganhado cada vez mais destaque. Com a pandemia do Covid-19, é notável o aumento da população de rua nos centros urbanos, apesar de não termos dados exatos sobre essa população, visto que os censos também foram cancelados devido a pandemia, segundo a declaração do pesquisador do Ipea Marco Natalino à CNN (SATIE, 2021). A rua se torna então um novo campo de batalha e a arquitetura trás trincheiras espinhosas e desconfortáveis.

A literatura sobre a Arquitetura Hostil tem como base os países de economia central, portanto, vê os moradores de rua como principais vítimas da Arquitetura Hostil. Jovens, ciclistas e skatistas também são bastante citados. (LICTH, 2017) No Brasil, temos um cenário muito diferente: uma vez que a população em situação de rua é muito mais numerosa, a proporção dos danos da Arquitetura Hostil são de uma dimensão muito mais agravante. Também podemos contabilizar os vendedores ambulantes, trabalhadores urbanos, trabalhadores informais, motoristas e entregadores de aplicativos como vítimas em potencial dos adereços hostil da cidade. Alguns casos de lojas e estabelecimentos que não contam com espaços adequados para descanso e alimentação obrigam os seus funcionários a procurar nas ruas espaços de acolhimento. Há também a questão das pessoas com mobilidade reduzida, como pessoas com deficiência, idosos ou imobilizadas por lesões. Pessoas que precisam tomar ou aplicar medicamentos, se alimentar ou alimentar crianças também têm dificuldades em encontrar espaços propícios nos centros urbanos, a menos que disponham de dinheiro para pagar um estabelecimento, como lanchonetes e restaurantes ou uma praça de alimentação de algum centro comercial. Esse fenômeno de apenas consumidores serem vistos como cidadãos se denomina “Mollification” (MARTENS, 2018), termo cunhado para designar a tendência da construção de grandes conglomerados hermeticamente fechados de consumo e o abandono da vida urbana. O autor destaca nesse conceito a construção de ambientes desconfortáveis para quem não vai consumir algum produto, tais como praças e parques, vinculando o conforto ao consumo. O tempo vem de “Shopping Mall” (O equivalente a “Shopping Center”, em inglês).


Nesse site, trataremos dessa temática e também propomos um mapeamento coletivo para apontar os elementos da arquitetura hostil no território nacional. Caso já tenha visto algum desses elementos, você pode mandar também sua contribuição, basta acessar o formulário.


Referencias:

ANDREOU, Alex .Anti-homeless spikes: ‘Sleeping rough opened my eyes to the city’s barbed cruelty’ The Guardian, Londres. 2015. Disponível em: <https://www.theguardian.com/society/2015/feb/18/defensive-architecture-keeps-poverty-undeen-and-makes-us-more-hostile?CMP=fb_gu&utm_medium=website&utm_source=archdaily.com.br>. Acesso em: 02 fev. 2022.


CHELLEW, Cara. Defending Suburbia: Exploring the Use of Defensive Urban Design Outside of the City Centre. Canadian Journal of Urban Research. Winnipeg, 2019. Disponível em: <https://cjur.uwinnipeg.ca/index.php/cjur/article/view/164 Acesso em: 02 fev. 2022.



LICTH, Karl de Fine. Hostile urban architecture: Critical Discussion of the seemingly offensive art of keeping people away. 2017. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/321064209_Hostile_urban_architecture_A_critical_discussion_of_the_seemingly_offensive_art_of_keeping_people_away>. Acesso em: 02 fev. 2022.



MARTENS, Janno. Mallification: The Vengeful Return of the Mall in the 21st Century. Failed Architecture. Amsterdã. 2018. Disponível em: <https://failedarchitecture.com/mallification-the-vengeful-return-of-the-mall-in-the-21st-century>. Acesso em: 02 fev. 2022.



QUINN, Ben. Anti-homeless spikes are part of a wider phenomenon of 'hostile architecture’. The Guardian. Londres. 2014. Disponível em: <https://www.theguardian.com/artanddesign/2014/jun/13/anti-homeless-spikes>. Acesso em: 02 fev. 2022.



REIS, Viviane. Padre Júlio Lancelotti quebra a marretadas pedras instaladas pela Prefeitura sob viadutos de SP. G1. São Paulo, 2021. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/02/02/padre-julio-lancelotti-quebra-a-marretadas-pedras-instaladas-sob-viadutos-pela-prefeitura-de-sp.ghtml> Acesso em: 02 fev. 2022.



SATIE, Anna. Mais mulheres e crianças engrossam população de rua, diz padre Julio Lancelotti. CNN. São Paulo, 2021. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/01/13/especialistas-veem-aumento-de-populacao-de-rua-mas-nao-ha-dados-oficiais) Acesso em: 02 fev. 2022.


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